Num ambiente escuro e poluído as narinas queimam, as alergias afloram e os pulmões ficam inflamados. Mas não vemos a causa, apenas sentimos os efeitos. Com a entrada de luz no ambiente, as partículas se tornam visíveis. Arte e cultura funcionam de forma semelhante à claridade, permitindo que realidades que se apresentam com contornos indefinidos ou fluídos sejam observados com nitidez.
Seres humanos são movidos por sentimentos, mais até do que pela própria razão. Documentários permitem que teorias, números e estatísticas sejam convertidos em narrativas emocionantes, em que dramas, mazelas e soluções são encarnados em pessoas e situações reais. Em outras palavras, dá vida ao que antes era inerte. Falando tanto a razão como ao coração, documentários produzem engajamento social amplo, mobilizando pessoas para outros comportamentos e atitudes. Vejamos um case.
Todos sabem dos problemas acarretados pelos alimentos ultraprocessados, principalmente pelas grandes cadeias de fast food. É um assunto debatido na academia, na grande imprensa e pelas pessoas nas ruas. No entanto, foi um documentário quem causou enormes problemas para esta poderosa indústria.
Estamos falando de Super Size Me, lançado em 2004 nos Estados Unidos. O filme de baixo orçamento (U$ 65.000,00), dirigido e estrelado por Morgan Spurlock, foi um sucesso estrondoso.
“Os Estados Unidos agora se tornaram a nação mais gorda do mundo. Parabéns. Quase 100 milhões de americanos estão hoje com sobrepeso ou obesos”. Ao fim da narração, os créditos de abertura são lançados – acompanhados pela música Fat Bottomed Girls do Queen. Tendo como gancho o processo movido por dois pais de Nova York contra o McDonald´s, alegando que a comida da empresa havia deixados seus filhos gravemente obesos, o documentário segue Spurlock enquanto ele não comia nada além de McDonald´s por 30 dias – e os efeitos que esta dieta teve sobre sua saúde.
O McDonald´s é símbolo da hegemonia do capitalismo americano e o setor de fast food é o segundo maior empregador privado nos Estados Unidos, depois dos hospitais. Toda esta poderosa estrutura foi posta em cheque por um filme simples na aparência e que consumiu apenas algumas dezenas de milhares de dólares na produção. E, detalhe, numa época em que não existiam as redes sociais para potencializar a repercussão do filme.
O documentário se tornou o ponto alto de uma onda de sentimentos contra o fast food, comparado as grandes empresas de tabaco. Surgiram termos como McJobs para denominar cargos mal remunerados e sem saída, e McMansions, para casas extravagantes e grandes. O valor das ações, principalmente do McDonald´s, derreteram e toda a estratégia de marketing desta indústria, notadamente a parte voltada para as crianças, teve que ser repensada e refeita.
O mérito de Super Size Me não foi lançar luz sobre um problema pouco debatido ou desconhecido, mas sim de conferir feições humanas a um tema de conhecimento geral, produzindo engajamento e reações.
Portanto, documentários são veículos potentes que alteram a percepção e comportamento das pessoas através de histórias, sejam elas inspiradoras ou expositivas de mazelas e dramas sociais.